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segunda-feira, 13 de junho de 2016

Por que falar de gênero na atualidade?


Texto utilizado na mesa de abertura do Seminário em Rede Educação e Relações Étnico-Raciais – “Etnicidade, Gênero e Educação” (2016)

A título de SAUDAÇÃO, a minha breve provocação se chama “Por que falar de gênero na atualidade?”, mas, levanto em conta o atual cenário político, bem que poderia se inscrever, ela mesma, na esfera dos direitos democráticos, tendo o seguinte nome: “Direito a falar de gênero”. Aqui, dedico o introito que se segue a “todxs” (deste modo mesmo: com “x”...) que entendem a urgência desse debate no contexto da sociedade brasileira.
Desde os anos 1970, a categoria “gênero”, no plano teórico, tem sido usada em estudos sobre “permanências e transformações das lógicas socioculturais”. Na década de 1990, o termo se desloca para a esfera política, constituindo-se, no âmbito das políticas públicas, numa ferramenta conceitual inevitavelmente associada às lutas sociais e correntes feministas em vários países do mundo (cf. Sônia CORRÊA, 2011, pp. 339-344).
De um lado, “gênero” não pretende ser uma discussão “autorreferente” (como sugere erroneamente quem se opõe ao debate). Como “a lógica interna de qualquer campo particular de estudo aponta para além de sua própria parcialidade” (cf. István MÉSZÁROS, 2008), os estudos de gênero ganham legitimidade NA MEDIDA em que se conjugam com importantes análises “engendradas” em outros campos discursivos, tais como: Educação, a esfera das análises sobre as relações étnico-raciais, o campo da luta política por reconhecimento social junto à sociedade civil e ao Estado – os debates sobre as “ações afirmativas” etc.
De outro, não é “reflexo ideológico” (conceito oriundo da distinção consciência/ matéria, mas que, no senso comum, tem um sentido adverso), posto que se baseia numa questão REAL relacionada de modo vital a pluralidade REALMENTE existente das experiências concretas que se oferecem aos sujeitos sociais na contemporaneidade. Quer dizer, opondo-se, em princípio, a qualquer forma de discurso com pretensão “universalizante” (e, frequentemente, “essencialista”...), “gênero” não parte de um modelo abstrato enraizado na “biologia” dos indivíduos – e certamente muito menos da “natureza” ou do discurso religioso.
Fonte: pixabay.com

Por se fundamentar na possibilidade genuinamente utópica de uma sociedade mais democrática e mais justa, “gênero”, enquanto categoria de análise histórica, recusa-se a assumir acriticamente o existente como “simplesmente dado” (como faz, p.ex., o “positivismo metodológico”). Portanto, falar sobre “ideologia de gênero” em oposição à “discussão sobre gênero” é uma grosseira deturpação baseada na ignorância espantosa de dois termos caros à análise crítica da realidade social: gênero e ideologia.
Evidentemente, no espaço político dos duelos discursivos e simbólicos, a visão de mundo promovida pelos “estudos de gênero”, especialmente a rejeição de uma “lógica binária”, tende a assustar os críticos conservadores (cf. Robson SOUZA, 2015). Não é por acaso que o conceito de gênero emerge, na incessante “batalha discursiva” pela emancipação humana, como uma questão de disputa “aberta” no contexto da arena pública: os antagonismos presentes só se tornam “legíveis” do ponto de vista do campo das transformações sociais.
É por isso que, sem querer polemizar, Richard RORTY (1996) diz algo bastante sugestivo quando escreve: “o modo mais eficiente de expor ou desmistificar uma prática existente parece consistir em sugerir uma prática alternativa, e não criticar a atual”. Por ora, eu caminharia com o juízo de que a crítica feminista eficiente consegue realizar satisfatoriamente ambas as coisas: “gênero” não é apenas uma teoria das “relações sociais de sexo”, mas simultaneamente uma teoria da prática revolucionária. Sobre os diversos “feminismos”, ver a forma como o próprio movimento de mulheres se autocompreende em CLACSO TV:

Considerando a permanência, no contexto de nossas relações sociais, de uma lógica discursiva onde as mulheres aparecem muitas vezes como “subalternizadas”, violentadas sob as mais diversas formas (ver Sandra AZERÊDO, 2007), muito mais importante é que esse “falar sobre gênero” torna-se extremamente necessário, inevitável, ou seja, não podemos simplesmente passar pelo reconhecimento dessa necessidade e seguir adiante: é somente atendo-se “excessivamente” a esse debate, que contribuiremos para a transformação de nossa realidade histórica.
É exatamente nesse cenário que o Seminário em Rede Educação e Relações Étnico-Raciais, evento promovido pela Fundaj – Fundação Joaquim Nabuco, procura fortalecer, em nosso contexto institucional, os espaços de diálogo e reflexão sobre a temática proposta. Falemos então de gênero! Conversemos sobre “Etnicidade, Gênero e Educação”, com a profª Drª Rita Segato (conferência de abertura), bem como acerca dos enfrentamentos ao racismo e às violências de gênero (mesa 1). Lutemos, enquanto cidadãos politicamente engajados, por uma educação de promoção do respeito às diversidades étnico-raciais e de gênero (mesa 2). Finalmente, compartilhemos nossas experiências exitosas, motivando nossas companheiras e companheiros de luta (mesa 3). Excelente evento a todxs!

Robson da Costa de Souza é doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Licenciado em Ciências Sociais pela UMESP – Universidade Metodista de São Paulo. É pesquisador na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).


Crédito: Fundaj/Divulgação


Referências
AZERÊDO, Sandra. Preconceito contra a “mulher”: diferença, poemas e corpos. São Paulo: Cortez Editora, 2007.
CORRÊA, Sonia. O conceito de gênero: teorias, legitimação e usos. In: BARSTED, Leila (Org.). O Progresso das Mulheres no Brasil 2003–2010. Rio de Janeiro: CEPIA; Brasília: ONU Mulheres, 2011. pp. 339-345. Disponível em: http://onumulheres.org.br/wp-content/themes/vibecom_onu/pdfs/progresso.pdf. Acesso em: 13 jun. 2016.
MÉSZÁROS, István. Filosofia, ideologia e ciência social. São Paulo: Boitempo, 2008.
RORTY, Richard. Feminismo, Ideologia e Desconstrução. In: ŽIŽEK, Slavoj (Org.). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. cap. 10, p. 227-234.
SOUZA, Robson. Pós-estruturalismo e religião: as novas possibilidades analíticas nos estudos sobre as relações sociais de gênero. Mandrágora, v.21. n. 1, 2015, pp. 207-236. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/MA/article/view/6007/5062 >. Acesso em: 13 jun. 2016.

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