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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Gênero e ideologia entre evangélicos brasileiros


As religiões são, ao mesmo tempo,
poder sobre as mulheres e poder das mulheres” (Michelle Perrot)


Meu interesse sociológico pelo papel do pertencimento religioso na construção (e redefinição) das identidades femininas e masculinas surgiu durante o período do mestrado e aprofundou-se no contexto do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSS/ESS/UFRJ), instituição na qual tive a oportunidade de apresentar os resultados de uma pesquisa envolvendo as percepções de integrantes de dois grupos religiosos bastante significativos – Assembleia de Deus e Igreja Presbiteriana. Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018, tive o privilégio de ampliar essas análises, comparando, durante o meu pós-doutoramento, grupos evangélicos distintos e expressivos por meio de entrevistas realizadas na cidade do Recife e nas Regiões Metropolitanas do Rio de Janeiro e de Vitória, em especial nos municípios de Niterói, do Rio de Janeiro, de Vitória e de Vila Velha.  Ademais, os resultados dessas pesquisas acabam de ser publicados pela editora Intermeios (São Paulo).

Como a discussão sobre a relação entre gênero e religião, passando pela questão familiar, encontra hoje no Brasil um terreno fértil? Aqui, o conceito de gênero emergiu nas últimas décadas, numa esfera discursiva marcada por ambiguidades e imprecisões, como uma questão de disputa “aberta” no contexto da arena pública brasileira, paralelamente ao reforço dos papéis “tradicionais” de gênero entre os grupos que explicitamente rejeitam aquelas lógicas igualitárias suscitadas pelas pesquisadoras envolvidas com os “Estudos de Gênero”. Por outro lado, os espaços religiosos brasileiros, marcados por muitas tensões e contradições, não se deixam dominar facilmente por uma forma de compreensão vinculada exclusivamente aos usos e sentidos atribuídos pelo senso comum, no espaço político dos duelos discursivos e simbólicos, à palavra “evangélico”... Evidentemente, não se trata de um grupo coeso!

Embora os grupos religiosos compartilhem um “ethos” semelhante, as percepções dos atores sociais variam segundo variáveis bastante distintas, tais como: a biografia dos indivíduos, engajamento político-partidário, grupo religioso de origem, capacidade de mobilizar as bases, inclusive por meio das diversas mídias etc. Como os discursos religiosos são múltiplos em conteúdo, significado e importância, a obra justamente procura “mapear”, entre os segmentos evangélicos, uma diversidade de práticas e representações sociais.

No que diz respeito ao assunto, o conjunto da obra insiste no argumento de que o discurso conservador extrapola os limites das igrejas evangélicas brasileiras, constituindo-se não apenas um importante componente das linhas de força da “cosmologia moderna”, como também um dos traços mais marcantes de um ethos tipo familista oriundo de nossa expressão religiosa majoritária, e da cultura que o materializa. Nessa perspectiva, é possível que, em muitos aspectos, o segmento religioso estudado acompanhe a “média moral” da sociedade.

Entretanto, o livro, ao trazer análises interessantes sobre o modo profundamente ambíguo por meio do qual muitas fiéis lidam com as questões da ordem de gênero, procura relativizar essa forma de representação tomada muitas vezes como exclusivamente “conservadora”, chegando a encontrar mulheres com significativos papéis de liderança pautando o “debate de gênero” tanto nos espaços eclesiais, em meio ao serviço pastoral e/ou episcopal, quanto nos círculos acadêmicos, em eventos, artigos e livros associados muitas vezes ao chamado “feminismo cristão”.  Em termos sociológicos,  Gênero e ideologia entre evangélicos brasileiros procura visualizar a “agência” (agency) do fiel evangélico, que age fundamentalmente nas “brechas” do discurso institucional, mesmo em temáticas sensíveis... Desejo a todas (e todos) uma excelente leitura!  

Robson da Costa de Souza é doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e licenciado em Ciências Sociais pela UMESP - Universidade Metodista de São Paulo (São Bernardo do Campo/ SP). Também tem graduação em Teologia e mestrado em Ciências da Religião.


OBS: Disponível para aquisição no site da editora, na Amazon ou na livraria Martins Fontes Paulista.