“Las identidades sociales son
construidas discursivamente en contextos sociales históricamente determinados;
son complejas y plurales; y se modifican a través del tiempo. Entonces, uno de
los aportes de una teoría del discurso para la política feminista es la
comprensión de las identidades sociales en su complejidad socio-cultural,
desmitificando así las perspectivas estáticas, univariables y esencialistas de
la identidad de género.”
Nancy Fraser (Filósofa)
Num
artigo instigante e enriquecedor, Nancy FRASER (2015) se propões a debater sobre
a inegável relação existente entre as “teorias do discurso” e os estudos acerca
das identidades de gênero. Primeiramente, a autora parte da noção básica de que
a discussão passa inevitavelmente pela temática das “construções de linguagem” (a categoria “gênero” se distingue aqui da noção lacaniana de “diferença
sexual. Nesse sentido, é compreendida como prática “discursivamente”
engendrada). Em seguida, a partir
do diálogo profícuo com as teorias de Jacques Lacan (Ibid., pp. 183-189) e Julia Kristeva (Ibid., pp. 189-195), a filósofa estadunidense descreve, do ponto de
vista da prática política feminista, os “ganhos teóricos” (ou não) advindos
dessa possível interlocução (temática que empresta nome ao título do artigo, diga-se
de passagem). Por último, “levanta” a pergunta pelo assunto da hegemonia
cultural (como se dá a “legitimidade cultural” dos grupos dominantes).
O
artigo trabalha inicialmente com a seguinte hipótese: o discurso “essencialista” sobre
as relações sociais de gênero não se vincula exclusivamente às contribuições trazidas
pela Biologia (ou pela Psicologia), mas, sim, ao conjunto das descrições sobre os
sentidos e as práticas sociais acerca do que significa “ser homem” ou “ser mulher”
em nossas sociedades (Ibid., pp. 180-183).
Se essas representações sociais homogeneizantes das práticas sociais,
disponíveis quer no senso-comum, quer no contexto de rígidos e inflexíveis modelos
teóricos, tornam-se “reificadas” numa “ordem social simbólica” monolítica e
omnipresente, essas subjetividades passam a ser descritas invariavelmente em
termos binários e de modo permanente (o “feminino” contrapondo-se radicalmente ao
“masculino”; a “mulher” ao “homem”; a heterossexualidade à homossexualidade
etc.).
Fonte da figura: pixabay.com. Segundo uma conhecida definição, o "gênero" (construção cultural) é uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado (base material). |
De um lado, a filósofa procura reforçar o argumento de que as identidades de
gênero, enquanto práticas historicamente determinadas (leia-se: “engendradas” pela/
na “discursividade da vida social”), moldam “significativamente” a atuação dos
sujeitos (individuais e coletivos). De outro, trabalha-se com a noção de que as
descrições que compõem uma identidade social “entram” e saem “de cena” sob o
pano de fundo das possibilidades interpretativas disponíveis em contextos
sociais múltiplos e, não menos importante, socialmente determinados (ou, nos termos
do “primeiro” Wittgenstein, “os limites do mundo são os limites de minha
linguagem”.)
Como
a formação das identidades sociais e dos grupos ocorre segundo a lógica das “práticas
discursivas”, as análises da ordem de gênero não podem abster-se do “contexto
social da comunicação” (com faz, p.ex., o estruturalismo – ou, segundo a
autora, aquelas perspectivas teóricas baseadas nas teorias de Lacan). Sempre
que uma perspectiva teórica incorre no “erro” básico de situar-se além (ou
aquém) dos “sujeitos da fala”, perde-se de vista aquele conjunto de questões
vinculadas ao poder e à desigualdade (Ibid., pp. 183-189). Portanto, o modelo estruturalista, ao se abstrair da “parole” (i.e.,
fixando-se, exclusivamente, no código), tende a ignorar o sujeito da fala, suas práticas sociais
e seu caráter de agente político (Ibid.,
p. 184), argumenta Fraser.
Embora
essa dimensão da linguagem seja tratada como “uma prática social situada num contexto
socialmente determinado”, os discursos não apenas são múltiplos e plurais,
mas surgem, se modificam e desaparecem ao longo do tempo. Dessa forma, as
identidades sociais não se constroem de forma definitiva: mudam juntamente com as
práticas sociais e as lealdades dos agentes.
Aqui,
Nancy Fraser, refugiando-se no conceito gramsciano de “hegemonia”, elucida o
debate sobre a interseção entre poder, desigualdade e discurso. Deve-se, nesse
sentido, levar em conta a “lógica da hierarquização”, pois as identidades de
gênero não se definem necessariamente de maneira igualitária – nem todos os
discursos têm igual legitimidade (Ibid.,
p. 182), argumenta ela. Em contextos sociais diversificados, o “ser mulher”,
por exemplo, configura-se não apenas pelo repertório de possibilidades com que opera,
mas se constitui fundamentalmente de modo periférico ou latente.
Em Gramsci, "hegemonia" é a "organização do consentimento". |
Em
situações caracterizadas por “desigualdades estruturais”, as definições e
interpretações que vão contra o interesse da(s) mulher(es) ganham legitimidade
através do discurso hegemônico. Nessa perspectiva, este se reproduziria ao
estabelecer definições legítimas acerca das situações e das necessidades
sociais, ou seja, delimitando as fronteiras entre os acordos (e desacordos)
legítimos (e legitimados) segundo a
lógica de uma determinada agenda política (hegemônica).
De
acordo com essa compreensão teórica de natureza “marxista”, esbarramos nesse
ponto com aquelas descrições “autoevidentes” da/sobre (a) realidade social
(i.e., os discursos “inquestionáveis” – descrições socialmente “necessárias” e
com pretensões de validade permanente). Semelhantemente à noção de “ideologia”,
a “hegemonia” se expressa na posição discursiva privilegiada dos grupos sociais
dominantes. Parafraseando Marx, as ideias do “sexo” dominante são, em cada
época, as ideias dominantes.
Como
a legitimidade cultural está em constante negociação, em contínua disputa, “as
perspectivas alternativas, as múltiplas posições de discurso, as disputas
simbólicas pelos sentidos das práticas sociais, as lutas pelas definições
hegemônicas e contra hegemônicas das situações sociais, os conflitos pela
interpretação das necessidades sociais” (Ibid.,
p. 188), tornam-se, nesse aspecto, objetos de interesse, crítica e resistência
no conjunto das práticas políticas emancipatórias.
Evidentemente,
nosso interesse pela temática segue em diálogo com essa rica contribuição teórica,
facilitando o redirecionamento radical de nossas categorias analíticas: em
termos habermasianos, as relações de gênero, no contexto dos grupos religiosos,
(também) precisariam ser analisadas à luz dos “fluxos comunicativos” (ver, principalmente, Robson SOUZA, 2015). Justamente dessa discussão nasceu o projeto “Religião, Gênero e Habilidades Sociais: Considerações
acerca da Condição Feminina no Protestantismo Brasileiro”.
Trata-se
de um projeto de pesquisa em fase de execução. A princípio, pretendemos
analisar grupos evangélicos distintos e expressivos de 3 (três) capitais
brasileiras (Recife, Vitória e Rio de Janeiro). Em contextos religiosos
específicos, buscaremos verificar – de modo comparativo e interdisciplinar – em
que medida as múltiplas configurações discursivo-teológicas presentes no
protestantismo brasileiro de origem missionária e pentecostal dialogam (ou não)
com as políticas públicas e culturais (ou mesmo iniciativas da sociedade civil)
de enfrentamento ao “sexismo”, ao racismo e à intolerância religiosa.
Assim,
através de entrevistas qualitativas com fiéis, pastoras(es) e lideranças
políticas de expressivos segmentos religiosos, pretendemos fortalecer nossa
compreensão acerca dos processos sociais que intervêm na construção e
redefinição das relações sociais de gênero e étnico-raciais, seja no interior
dos grupos religiosos identificados, seja no que se refere à interface entre esses
movimentos religiosos e os contextos educacionais e culturais que lhe servem de
suporte.
Produzindo
dados, reflexão e conhecimentos sobre as percepções e práticas dos diferentes
atores e atrizes envolvidos, pretendemos facilitar, no Estado e na sociedade
civil, a difusão de uma agenda com ações e temas voltados à promoção dos
direitos humanos, ao combate à violência de gênero e ao racismo, bem como inspirar
o fortalecimento da implementação de políticas públicas de educação para a
promoção do respeito ao pluralismo religioso. Nessa perspectiva, esse blog quer ser um canal de divulgação de
nossa pesquisa. Contamos com a ajuda e o incentivo de todxs!
Referências
CORRÊA, Mariza. “Bourdieu e o sexo da dominação”. Revista Novos Estudos, CEBRAP, n. 54, pp. 43-53, jul. 1999.
FRASER, Nancy. Los usos y abusos de las teorías francesas del discurso para la política feminista. Diferencia(s): revista de teoría social contemporánea, v.1. n. 1, 2015, pp. 179-199. Disponível em: <http://www.revista.diferencias.com.ar/index.php/diferencias/issue/viewIssue/1/2>. Acesso em: 05 mai. 2016.
CORRÊA, Mariza. “Bourdieu e o sexo da dominação”. Revista Novos Estudos, CEBRAP, n. 54, pp. 43-53, jul. 1999.
FRASER, Nancy. Los usos y abusos de las teorías francesas del discurso para la política feminista. Diferencia(s): revista de teoría social contemporánea, v.1. n. 1, 2015, pp. 179-199. Disponível em: <http://www.revista.diferencias.com.ar/index.php/diferencias/issue/viewIssue/1/2>. Acesso em: 05 mai. 2016.
SOUZA,
Robson. Pós-estruturalismo e religião: as novas possibilidades analíticas nos
estudos sobre as relações sociais de gênero. Mandrágora, v.21. n. 1, 2015, pp. 207-236. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/MA/article/view/6007/5062
>. Acesso em: 05 mai. 2016.
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