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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

40º encontro anual da ANPOCS

“Religião, Gênero e Habilidades Sociais” no 40º encontro anual da ANPOCS (Caxambu - MG)




SOUZA, Robson. Religião, Gênero e Habilidades Sociais: Uma contribuição teórica à análise sobre a condição feminina no protestantismo brasileiro. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS., 40., 2016, Caxambu-MG. Anais... Caxambu-MG: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, 2016. Disponível em: http://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/40-encontro-anual-da-anpocs/st-10/st29-3/10455-religiao-genero-e-habilidades-sociais-uma-contribuicao-teorica-a-analise-sobre-a-condicao-feminina-no-protestantismo-brasileiro/file. Acesso em: 12 ago. 17.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

II Seminário em Rede Educação e Relações Étnico-Raciais - II Seminário Audre Lorde: Mulheres Negras Construindo Conhecimento

II Seminário em Rede Educação e Relações Étnico-Raciais:
Etnicidade, Gênero e Educação
II Seminário Audre Lorde: Mulheres Negras Construindo Conhecimento


Será realizada, nos dias 05 e 06 de setembro próximo, na Fundação Joaquim Nabuco (05/09) e na UFRPE-Dois Irmãos (06/09), a segunda edição do Seminário em Rede Educação e Relações Étnico-Raciais: Etnicidade, Gênero e Educação*, bem como a segunda edição do Seminário Audre Lorde: Mulheres Negras Construindo Conhecimento. Convidamos as pessoas interessadas a se inscreverem pelo formulário disponível. No que concerne ao evento, a programação completa pode ser encontrada no site da Fundação Joaquim Nabuco. Além disso, informamos que a transmissão em tempo real do Seminário (somente no dia 05/09) será realizada através do link indicado.
No dia 06/09, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (Dois Irmãos), serão oferecidos os seguintes minicursos (presenciais) aos inscritos:

Minicurso 1 – Mulheres Negras, Conhecimento e Poder – Dra. Vera Regina Rodrigues da Silva (UNILAB – Fortaleza/CE)
Minicurso 2 – Introdução às Filosofias Africanas – Prof. Dr. Wanderson Flor do Nascimento (UnB – Brasília/DF)
Minicurso 3 – Feminicídios e Interseccionalidades – Profa. Dra. Luciana de Oliveira Dias (UFGO – Goiás/GO)
Minicurso 4 – Religião, Gênero e Relações Étnico-Raciais: Um Enfoque Sociológico – Prof. Dr. Robson Costa (MPCS/FUNDAJ – Recife/PE)
Minicurso 5 – Estudos Pós-Coloniais e Educação das Relações Étnico-Raciais – Prof. Dr. Janssen Felipe da Silva (UFPE/ Caruaru/PE)

Os interessados nos minicursos devem procurar os organizadores do evento no 1º dia (05/09), no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Rua Dezessete de Agosto, 2187 – Casa Forte). Vagas limitadas!

Religião, Gênero e Relações Étnico-Raciais – Um Enfoque Sociológico

RESUMO: Considerando a acelerada pluralização religiosa da sociedade brasileira, o presente minicurso pretende oferecer, em perspectiva crítica, um panorama conceitual acerca da leitura dos fatos e processos sociais, resgatando o olhar sobre a problemática das percepções e práticas dos indivíduos, pela ótica de gênero, classe, raça/etnia e do pensamento feminista contemporâneo. Nesse aspecto, a ênfase nas “relações de gênero”, alicerçada no diálogo e na interseção com outras categorias sociais, será o primeiro passo para uma compreensão sociológica sobre hierarquias, dominações, desigualdades e identidades. No que diz respeito ao tratamento das questões da ordem de gênero e das relações étnico-raciais, entraremos em contato com as bases teóricas e os debates recentes sobre as diferentes configurações discursivo-teológicas e experiências que informam os dissensos e as convergências temáticas entre as atrizes e os atores envolvidos (no nosso caso, a diversidade dos pontos de vista dos sujeitos religiosos – individuais e coletivos – e as reivindicações dos militantes engajados nos novos movimentos teórico-políticos: mulheres, negras/os, sujeitos indígenas, “LGBTTI” etc., bem como a dificuldade em pensá-las juntas...). Por último, veremos como ocorrem os rebatimentos dessas tensões e diálogos no domínio das políticas públicas de Estado, quer no plano das práticas educacionais, quer em outras esferas de ação.

OBS: Detalhes sobre esta proposta de minicurso estão disponíveis na ementa.




Fonte: pixabay.com




* O Seminário em Rede Educação e Relações Étnico-Raciais constitui-se numa série de seminários permanentes no âmbito dos programas de pós-graduação (MPCS-Fundaj/ PPGECI-UFRPE) da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco-PE).

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

São Paulo e as bases de um universalismo não-identitário

“[...] Romanos jamais foi plenamente compreendida por quem quer que fosse. Tampouco se pode permanecer imperturbado por ela. Trata-se do mais provocador dos documentos cristãos. Tem um hábito de forçar os homens a reconsiderar toda a sua compreensão de religião, mesmo quando já estão envolvidos há muitos anos em investigações teológicas. Assim, Romanos provocou uma profunda alteração no pensamento de Agostinho, nos últimos anos de sua vida. Deflagrou a explosão luterana. Foi utilizada repetidas vezes para demolir e reconstruir sistemas, mais recentemente por Schweitzer, Bultmann e Barth. A maioria das revoluções teológicas começa com Romanos, como foi o caso da do próprio Paulo.”

Paul Johnson (jornalista e historiador)


Romanos 1.16-17 (texto grego de Nestle do NT – 26ª. edição)


Há alguns anos evito os textos de natureza estritamente teológica. Por razões de ordem prática, tenho priorizado a leitura de obras relacionadas à área na qual desenvolvo pesquisas atualmente (Sociologia da Religião, Relações de Gênero e Teoria Política). Qual não foi minha surpresa quando, recentemente, ao folhear o livro de um filósofo italiano, esbarrei com o texto grego com tradução interlinear de passagens da Epístola aos Romanos. (O material como um todo conta com a excelente tradução de: Davi Pessoa e Cláudio Oliveira). Confesso que minha reação imediata foi lembrar as aulas de Exegese que tive durante os anos que frequentei o então Seminário Teológico Presbiteriano do Rio de Janeiro (STPRJ). Movido pela curiosidade, constatei que o livro O tempo que resta: um comentário à Carta aos Romanos, de Giorgio AGAMBEN, além de dialogar com os autores Karl MARX e Max WEBER, clássicos do pensamento sociológico, também tinha referências explícitas aos textos teológicos que lia com razoável frequência (Fílon de Alexandria, Orígenes, Santo Agostinho, Rudolf Bultmann, Karl Barth, entre outros). Publicado originalmente no ano 2000 (período em que me matriculei no Seminário Presbiteriano, persistiu a recordação!), a obra chega ao Brasil pela Autêntica Editora. Parafraseando Nietzsche, mesmo querendo fugir, senti-me forçado a resenhá-lo...
"O tempo que resta" (Autêntica Editora)

Embora seja possível acrescentar que esse interesse teológico recente entre os intelectuais europeus gere suspeitas entre autores marxistas como Göran THERBORN (2012), para quem essa “teologia do discurso” (sic) significa nada menos que uma “rendição” intelectual a um “clima cultural mais amplo” (a pós-modernidade...), a renovação teórica presente nos filósofos contemporâneos estabelece como estratégia metodológica a possível interlocução entre uma análise política implacável acerca da sociedade ocidental moderna e “as manhas teológicas” que estão na gênese de nossas “percepções subjetivas” de mundo. Tal abordagem permite que Giorgio AGAMBEN (2016), tendo como base a fé (judaico-cristã), diagnostique nossa condição atual e trave um diálogo crítico com as principais vertentes do pensamento político contemporâneo.
Resenhar Agamben não foi uma tarefa fácil! Em se tratando das temáticas exploradas pelo autor, imagens relativas à esfera jurídico-política aparecem vinculadas à dimensão do sagrado, embora, ao contrário de muitos teólogos (contemporâneos ou não), com ênfase no profano. É crucial incluir em seu Um Comentário à Carta aos Romanos esse nível intermediário da “fantasia objetiva” (para usarmos um termo recorrente em outro autor contemporâneo: Slavoj ŽIŽEK). Vejamos um exemplo: de um lado, do ponto de vista da tradição, a experiência religiosa, em sua forma mais elementar (a ), tem suas raízes na esfera mais arcaica do direito (o juramento). De outro, o “direito positivo” é consubstancial com a linguagem religiosa como tal e, por isso, pode ser associado facilmente àquela discussão desenvolvida por Paulo na Epístola aos Romanos. É justamente partindo dessa interseção que Giorgio AGAMBEN formula uma posição política única entre (ou para além dessas perspectivas...) o discurso religioso fundamentalista e noções contemporâneas de laicidade:
O messiânico é a instância – tanto na religião quanto no direito – de uma exigência de cumprimento que – colocando em tensão origem e fim – restitui as duas metades do pré-direito à sua unidade pré-jurídica e, ao mesmo tempo, exibe a impossibilidade da sua coincidência. (Por isso a oposição atual entre os Estados laicos – fundados unicamente sobre o direito – e Estados fundamentalistas – fundados unicamente sobre a religião – é apenas aparente e esconde um mesmo declínio político). Mas, com isso, ele aponta – para além do pré-direito – para uma experiência da palavra que – sem se ligar denotativamente às coisas e sem valer ela mesma como uma coisa, sem permanecer indefinitivamente suspensa na sua abertura e sem se fechar no dogma – se apresenta como uma pura e comum potência do dizer, capaz de um uso livre e gratuito do tempo e do mundo (ibid., p. 154). 
Ora, a justiça [de Deus] (δικαιοσύνη) se revela no Evangelho: potência de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16-17). Desenvolvendo essa questão no que se refere à forma como a fé se articula, o autor argumenta que, no contexto da tradição paulina, o termo Evangelho (εὐαγγέλιον) tem uma dimensão fundamentalmente “sacramental” – anúncio (λόγος), de um lado. Presença (παρουσία), de outro. E assim, enquanto, por um lado, a fé (πίστις) é, na Carta aos Romanos, tensionada pelo “caráter aporético do tratamento paulino do problema da lei” (ibid., p. 110), por outro, permite a “experiência de um puro evento de palavra que excede toda significação” (ibid., p. 153)  no interior da própria palavra, entre a boca e o coração (Rm 10.6-10), destaca-se aqui! (performativum fidei). 
Segundo Alain BADIOU (2009), o apóstolo Paulo teria lançado as bases do “universalismo” ao escrever em sua Epístola aos Gálatas: “Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28, SBB-RA). Mas, em AGAMBEN, essa universalidade não se expressa conforme a tradicional visão hierárquica da cristandade, isto é, a Igreja representando a maior autoridade de toda a vida humana e conferindo a suas partes um lugar apropriado na grande ordem do universo.
Tomando como ponto de partida uma questão já desenvolvida por Max WEBER (2004) na obra “A ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo”, Giorgio AGAMBEN (2016) não apenas inverte essa relação (ἐκκλησία; a comunidade messiânica, é, para Paulo, literalmente, o conjunto das “vocações messiânicas”. Cf. ibid., p. 36), mas também chama a atenção para o fato de que a “vocação messiânica” é um chamado do chamado: “a vocação chama a própria vocação, é como uma urgência que a trabalha e escava do interior, nulifica-a no próprio gesto no qual se mantém nela, habita nela” (ibid., p. 37).  Nessa perspectiva, o “cada um permaneça na profissão em que foi chamado” (1Co 7.20) assume um sentido radicalmente novo: “a vocação chama a nada e em direção a nenhum lugar: por isso, ela pode coincidir com a condição factícia na qual cada um se encontra chamado; mas, exatamente por isso, ela a revoga completamente” (ibid., p. 37).
 Em termos mais precisos, a expressão paulina para esse chamado é κλῆσις. Em oposição implícita à noção weberiana de racionalização, Giorgio AGAMBEN logo deixa claro que:  “A vocação messiânica é a revogação de toda vocação” (ibid.,  p. 37, grifo do autor)Nesse sentido, a “nova criatura” (2Co 5.17) não funda uma nova identidade: “não é senão o uso e a vocação messiânica da velha” (ibid., p. 40). Não é simplesmente que a identidade-de-si de um sujeito se confunde consigo mesma após a vocação messiânica (“ela não é senão uma retomada das mesmas condições factícias ou jurídicas nas quais ou tais quais alguém é chamado” [por Deus]. Cf. ibid., p. 36). Para Giorgio AGAMBEN, a κλῆσις paulina, graças ao hōs mē, ao “como se não” (1Co 7.20-31), suspende a eficácia simbólica de todas as vocações, tornando-as inoperantes desde dentro: “Não é um direito nem constitui uma identidade: é uma potência genérica de que se usa sem jamais ser seu titular. Ser messiânico, viver no messias significa a desapropriação, na forma do como não, de toda propriedade jurídico-factícia (circunciso/ não incircunciso; livre/escravo; homem/mulher)” (cf. ibid., p. 40). Sob a vocação messiânica (1Co 7.29-32), toda identidade carece de plena identidade: a vocação messiânica separa toda κλῆσις de si mesma, colocando-a em tensão consigo mesma, sem lhe fornecer uma identidade ulterior: judeu como não judeu, grego como não grego (ibid., p. 69).
O messiânico é para ele [Paulo] o lugar de uma exigência, que concerne precisamente à redenção daquilo que foi. Ele não é um ponto de vista, do qual se possa olhar para o mundo como se a redenção estivesse cumprida. O advento do messias significa que todas as coisas - e com elas o sujeito que as olha - são tomadas no como não, chamadas e revocadas no mesmo gesto (Giorgio AGAMBEN, 2016, p. 54). 
Como indicamos logo no início desta resenha, essa mudança de ênfase se torna possível a partir do resgate de noções extraídas do pré-direito (pré-droit) do mundo greco-romano (isto é, a partir de algo em que “magia, religião e direito são absolutamente indiscerníveis”) (cf. ibid., p. 134). Em suas análises, Giorgio AGAMBEN percebe que o argumento paulino contrapõe radicalmente a πίστις à lei. À luz de Rm 1.16-17, recordemos aqui uma expressão que, no contexto da tradição paulina, é indissociável da fé – a “justiça de Deus” (δικαιοσύνη γὰρ θεοῦ). Qual era o sentido exato desta sentença no pensamento “veterotestamentário”? Em termos genuinamente reformados, a benigna fidelidade de Deus que preserva o seu Pacto. Ao destacar a similaridade dessa percepção teológica com a noção de “poder constituinte”, o filósofo faz questão de traduzir essa cisão paulina entre o plano da fé e aquele do nomos da seguinte forma:
Paulo joga a constituição contra o direito positivo ou, mais exatamente, o plano do poder constituinte contra aquele do direito constituído – e que, nesse sentido, a tese schmittiana sobre a teologia política (“todos os conceitos mais pregnantes da moderna doutrina do Estado são conceitos teológicos secularizados”) recebe uma confirmação ulterior (ibid., p. 138).
Bingo! Retornamos, assim, ao argumento desenvolvido no início desta resenha! Em outras palavras, não é que, em Paulo, dois antagonismos distintos (lei/ pecado x lei/ graça) devam ser contrapostos em dois momentos separados e “não-dialetizáveis”, como sugere a interpretação proposta por Slavoj ŽIŽEK (2012, p. 21). Na Carta aos Romanos, a lei não é simplesmente abolida, mas “suprassumida”, ou seja, transformada “por meio da potência da fé” (conservada e levada ao cumprimento). O termo (encontrado na tradução do Novo Testamento feita por Lutero) que Giorgio AGAMBEN recupera nessa análise do katargein paulino é “suprassunção” (Aufhebung) – aliás, termo através do qual Hegel funda a sua dialética, lembra-nos o autor! Nesse aspecto, a Lei é, em Paulo, “suprassumida” (i.e, negada/superada) no que se refere a sua instabilidade radical em longo prazo.
Aqui, dialogando com as teses de [Carl] Schmitt, o autor afirma que, no horizonte da katargein messiânica, a lei entra em “Estado de Exceção” permanente, mantendo-se em relação com a exceção na forma da própria autossuspensão. Em termos bastante precisos, “isso significa que, no estado de exceção, a lei não se configura como uma nova normalização, que enuncia novas proibições e novas obrigações: ela age, ao contrário, unicamente através da sua informulabilidade” (ibid., p. 123-124).
Em sentido estrito, o filósofo se refere à estrutura do tempo messiânico como a chave para compreender a vocação messiânica sob esse “como se não”  a sobreposição de tempos ( e ainda não) e dimensões (imanência e transcendência) que, tanto no âmbito da linguagem quanto na esfera concreta da experiência humana, são geralmente representados sistêmica, binária e “dualisticamente” de maneira seccionada. No plano teórico-teológico, uma nova representação do tempo (o tempo que se contrai e que começa a acabar. Ou, se preferirmos, o tempo que resta entre o tempo e o seu fim) emerge dessa paradoxal conexão entre o “fim dos tempos” e o “tempo do fim”, entre o apocalíptico e o messiânico, colocando cada instante em relação com o fim dos tempos e com a eternidade”.
Ele não é nem a linha – representável mas impensável – do tempo cronológico nem o instante – igualmente impensável – do seu fim; mas não é tampouco simplesmente um segmento extraído do tempo cronológico, que vai da ressurreição ao fim do tempo: é, antes, o tempo operativo que urge no tempo cronológico e o trabalha e transforma a partir do interior, tempo do qual precisamos para fazer findar o tempo – nesse sentido: tempo que nos resta. Enquanto a nossa representação do tempo cronológico, como tempo no qual estamos, nos separa de nós mesmos, transformando-nos, por assim dizer, em espectadores impotentes de nós mesmos - espectadores que olham sem tempo o tempo que escapa, o seu incessante faltar a si mesmos –, o tempo messiânico, como tempo operativo, no qual apreendemos e realizamos a nossa representação do tempo, é o tempo que nós mesmos somos – e, por isso, o único tempo real, o único tempo que temos (ibid., p. 85-86). 
Isso diz respeito não só à dinâmica religiosa, como também, e ainda mais, à dinâmica jurídico-política: o mundo messiânico não é algo diferente do mundo profano. No que concerne ao Estado, Giorgio AGAMBEN também se posiciona em relação às distinções de classe: a κλῆσις “messiânica significa o esvaziamento e a nulificação, na forma do como não, de todas as divisões jurídico-factícias” (ibid., p. 44). Partindo da ideia do “não-todo” (o “resto”), o autor traça a diferença clara entre o “universalismo moderno” e a universalidade derivada do tempo messiânico, que jamais coincide consigo mesma: “o resto é, ao mesmo tempo, um exceder do todo em relação à parte e da parte em relação ao todo. (...) Como tal, o resto concerne apenas ao tempo messiânico e só existe nele” (ibid., p. 72). 
A partir dessa distinção, critica conceitos caros ao ideário liberal como “‘tolerância’ e benevolência, que concernem, em última análise, ao comportamento do Estado com respeito aos conflitos religiosos”. Então, concluí o raciocínio da seguinte forma: para Paulo, o universal não é um princípio transcendente a partir do qual se olha para as diferenças (ibid., p. 69).  (Nisso reside a diferença crucial entre a leitura filosófica do autor e a proposta teológica de Karl BARTH, o Barth do Der Römerbrief...) Além disso, devemos admitir que Giorgio AGAMBEN esclareceu sem medo as implicações políticas de sua visão:
Se devesse indicar, nas Cartas de Paulo, um legado político imediatamente atual, acredito que o conceito de resto não poderia não fazer parte dele. Ele permite, em particular, deslocar para uma perspectiva nova as nossas antiquadas e, no entanto, talvez não renunciáveis noções de povo e de democracia. O povo não é nem o todo nem a parte, nem a maioria nem a minoria. Ele é, antes, aquilo que jamais pode coincidir consigo mesmo, nem como todo nem como parte, aquilo que infinitamente resta ou resiste em toda divisão e  sem querer ofender aqueles que nos governam  nunca se deixa reduzir a uma maioria ou a uma minoria. E esse resto é a figura ou a consistência que o povo ganha na instância decisiva  e, como tal, ele é o único sujeito político real (ibid., p. 73).

Então, qual a exigência específica do tempo messiânico?

Ele [aquele que se mantém na vocação messiânica] sabe que, no tempo messiânico, o mundo salvo coincide com aquele irremediavelmente perdido, que, nas palavras de Bonhoeffer, [teólogo luterano alemão], ele agora deve viver realmente no mundo sem Deus e que não lhe é permitido camuflar, de modo algum, o ser-sem-Deus do mundo, que o Deus que o salva é o Deus que o abandona – que a salvação a partir das representações (pelo como se) não pode pretender salvar também a aparência da salvação. O sujeito messiânico não contempla o mundo como se fosse salvo. Antes – nas palavras de Benjamin , contempla a salvação apenas enquanto se perde no insalvável (ibid., p. 55).
 Aqui, as similaridades entre o crente (enquanto “subjetividade sem substância”) e o proletariado marxiano, que não pode coincidir consigo mesmo enquanto “classe”, ficam evidentes. Entretanto, o que se propõe não é a (re)apropriação subjetiva do conteúdo alienado (como em György LUKÁCS), mas a plena aceitação do abismo do processo dessubstancializado como a única efetividade existente sob o “chamado messiânico”.


Robson da Costa de Souza é doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Licenciado em Ciências Sociais pela UMESP – Universidade Metodista de São Paulo. É pesquisador na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).


Referências

AGAMBEN, Giorgio. Cristianismo como religião: a vocação messiânica (Artigo de Giorgio Agamben). Blog da Boitempo. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2013/07/16/cristianismo-como-religiao-a-vocacao-messianica/. Acesso em: 01 ago. 2016.
__________________. O tempo que resta: um comentário à Carta aos Romanos. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
BADIOU, Alain. São Paulo: a fundação do universalismo. São Paulo: Boitempo; 2009.
JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001.
THERBORN, Göran. Do marxismo ao pós-marxismo? São Paulo: Boitempo, 2012.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
ŽIŽEK, Slavoj. Vivendo no fim dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2012.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Por que falar de gênero na atualidade?


Texto utilizado na mesa de abertura do Seminário em Rede Educação e Relações Étnico-Raciais – “Etnicidade, Gênero e Educação” (2016)

A título de SAUDAÇÃO, a minha breve provocação se chama “Por que falar de gênero na atualidade?”, mas, levanto em conta o atual cenário político, bem que poderia se inscrever, ela mesma, na esfera dos direitos democráticos, tendo o seguinte nome: “Direito a falar de gênero”. Aqui, dedico o introito que se segue a “todxs” (deste modo mesmo: com “x”...) que entendem a urgência desse debate no contexto da sociedade brasileira.
Desde os anos 1970, a categoria “gênero”, no plano teórico, tem sido usada em estudos sobre “permanências e transformações das lógicas socioculturais”. Na década de 1990, o termo se desloca para a esfera política, constituindo-se, no âmbito das políticas públicas, numa ferramenta conceitual inevitavelmente associada às lutas sociais e correntes feministas em vários países do mundo (cf. Sônia CORRÊA, 2011, pp. 339-344).
De um lado, “gênero” não pretende ser uma discussão “autorreferente” (como sugere erroneamente quem se opõe ao debate). Como “a lógica interna de qualquer campo particular de estudo aponta para além de sua própria parcialidade” (cf. István MÉSZÁROS, 2008), os estudos de gênero ganham legitimidade NA MEDIDA em que se conjugam com importantes análises “engendradas” em outros campos discursivos, tais como: Educação, a esfera das análises sobre as relações étnico-raciais, o campo da luta política por reconhecimento social junto à sociedade civil e ao Estado – os debates sobre as “ações afirmativas” etc.
De outro, não é “reflexo ideológico” (conceito oriundo da distinção consciência/ matéria, mas que, no senso comum, tem um sentido adverso), posto que se baseia numa questão REAL relacionada de modo vital a pluralidade REALMENTE existente das experiências concretas que se oferecem aos sujeitos sociais na contemporaneidade. Quer dizer, opondo-se, em princípio, a qualquer forma de discurso com pretensão “universalizante” (e, frequentemente, “essencialista”...), “gênero” não parte de um modelo abstrato enraizado na “biologia” dos indivíduos – e certamente muito menos da “natureza” ou do discurso religioso.
Fonte: pixabay.com

Por se fundamentar na possibilidade genuinamente utópica de uma sociedade mais democrática e mais justa, “gênero”, enquanto categoria de análise histórica, recusa-se a assumir acriticamente o existente como “simplesmente dado” (como faz, p.ex., o “positivismo metodológico”). Portanto, falar sobre “ideologia de gênero” em oposição à “discussão sobre gênero” é uma grosseira deturpação baseada na ignorância espantosa de dois termos caros à análise crítica da realidade social: gênero e ideologia.
Evidentemente, no espaço político dos duelos discursivos e simbólicos, a visão de mundo promovida pelos “estudos de gênero”, especialmente a rejeição de uma “lógica binária”, tende a assustar os críticos conservadores (cf. Robson SOUZA, 2015). Não é por acaso que o conceito de gênero emerge, na incessante “batalha discursiva” pela emancipação humana, como uma questão de disputa “aberta” no contexto da arena pública: os antagonismos presentes só se tornam “legíveis” do ponto de vista do campo das transformações sociais.
É por isso que, sem querer polemizar, Richard RORTY (1996) diz algo bastante sugestivo quando escreve: “o modo mais eficiente de expor ou desmistificar uma prática existente parece consistir em sugerir uma prática alternativa, e não criticar a atual”. Por ora, eu caminharia com o juízo de que a crítica feminista eficiente consegue realizar satisfatoriamente ambas as coisas: “gênero” não é apenas uma teoria das “relações sociais de sexo”, mas simultaneamente uma teoria da prática revolucionária. Sobre os diversos “feminismos”, ver a forma como o próprio movimento de mulheres se autocompreende em CLACSO TV:

Considerando a permanência, no contexto de nossas relações sociais, de uma lógica discursiva onde as mulheres aparecem muitas vezes como “subalternizadas”, violentadas sob as mais diversas formas (ver Sandra AZERÊDO, 2007), muito mais importante é que esse “falar sobre gênero” torna-se extremamente necessário, inevitável, ou seja, não podemos simplesmente passar pelo reconhecimento dessa necessidade e seguir adiante: é somente atendo-se “excessivamente” a esse debate, que contribuiremos para a transformação de nossa realidade histórica.
É exatamente nesse cenário que o Seminário em Rede Educação e Relações Étnico-Raciais, evento promovido pela Fundaj – Fundação Joaquim Nabuco, procura fortalecer, em nosso contexto institucional, os espaços de diálogo e reflexão sobre a temática proposta. Falemos então de gênero! Conversemos sobre “Etnicidade, Gênero e Educação”, com a profª Drª Rita Segato (conferência de abertura), bem como acerca dos enfrentamentos ao racismo e às violências de gênero (mesa 1). Lutemos, enquanto cidadãos politicamente engajados, por uma educação de promoção do respeito às diversidades étnico-raciais e de gênero (mesa 2). Finalmente, compartilhemos nossas experiências exitosas, motivando nossas companheiras e companheiros de luta (mesa 3). Excelente evento a todxs!

Robson da Costa de Souza é doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Licenciado em Ciências Sociais pela UMESP – Universidade Metodista de São Paulo. É pesquisador na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).


Crédito: Fundaj/Divulgação


Referências
AZERÊDO, Sandra. Preconceito contra a “mulher”: diferença, poemas e corpos. São Paulo: Cortez Editora, 2007.
CORRÊA, Sonia. O conceito de gênero: teorias, legitimação e usos. In: BARSTED, Leila (Org.). O Progresso das Mulheres no Brasil 2003–2010. Rio de Janeiro: CEPIA; Brasília: ONU Mulheres, 2011. pp. 339-345. Disponível em: http://onumulheres.org.br/wp-content/themes/vibecom_onu/pdfs/progresso.pdf. Acesso em: 13 jun. 2016.
MÉSZÁROS, István. Filosofia, ideologia e ciência social. São Paulo: Boitempo, 2008.
RORTY, Richard. Feminismo, Ideologia e Desconstrução. In: ŽIŽEK, Slavoj (Org.). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. cap. 10, p. 227-234.
SOUZA, Robson. Pós-estruturalismo e religião: as novas possibilidades analíticas nos estudos sobre as relações sociais de gênero. Mandrágora, v.21. n. 1, 2015, pp. 207-236. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/MA/article/view/6007/5062 >. Acesso em: 13 jun. 2016.

domingo, 5 de junho de 2016

40º Encontro anual da ANPOCS

Proposta de trabalho selecionada para apresentação em ST (“Religião, política e direitos na contemporaneidade”) do 40º encontro da ANPOCS!

Autor: Robson da Costa de Souza – Doutor/ Pesquisador (FJN)
Data e local do evento: 24 a 28 de outubro de 2016 – CAXAMBU – MG
Resumo:
Trata-se de uma discussão teórica elaborada a partir de um projeto de pesquisa em fase de execução no âmbito da Fundação Joaquim Nabuco (Recife/ PE). Atualmente, estamos analisando grupos evangélicos distintos e expressivos de 3 (três) capitais brasileiras (Recife, Vitória e Rio de Janeiro). Nesses contextos, buscamos verificar – de modo comparativo e interdisciplinar – em que medida as múltiplas configurações discursivo-teológicas presentes no protestantismo brasileiro de origem missionária e pentecostal dialogam (ou não) com as políticas públicas e culturais (ou mesmo iniciativas da sociedade civil) de enfrentamento ao sexismo, ao racismo e à intolerância religiosa.

Fonte: pixabay.com




sábado, 4 de junho de 2016

Das margens ao centro: o grito dos oprimidos e a "revolta pária na moral"


“A ambiguidade específica das escatologias da redenção subsiste ainda hoje.
Subsiste primeiramente na confusão que faz dos párias
ora o instrumento, ora o sujeito da redenção (...).
Na tentação de ligar o potencial emancipador da revolta
não a um projeto moral e político,
mas a uma natureza e, cada vez mais,
a uma cultura comum essencial que fixa as identidades hipostasiadas.
(...) na dificuldade de se desprender dos determinismos biológicos e históricos,
que fizeram do messianismo
tanto uma visão de revolta quanto uma visão de resistência.”
Eleni Varikas

Em relação à “revolta pária na moral”, o que se deduz dessa discussão “varikasiana” iniciada em nosso penúltimo post? Referindo-se à interpretação nietzschiana acerca da “revolta dos grupos sociais mais desfavorecidos contra as camadas privilegiadas” (Eleni VARIKAS, 2014, p. 134), o quinto capítulo do livro A Escória do Mundo (“Os últimos serão os primeiros?”) faz o pensamento esbarrar com uma lógica discursiva definida pela inversão religiosa da escala hierárquica dos valores dominantes. Nisso reside o ponto crucial da crítica da autora ao pensamento político do pária.
Embora o interesse sociológico pela relação entre religião e emancipação política não seja recente, o debate vem ganhando novos rumos ultimamente com a intervenção de autores como: Boaventura de SOUSA SANTOS (2013), Slavoj ŽIŽEK (2008) e, mais recentemente, Terry EAGLETON (2011). Em Eleni VARIKAS (2014), as práticas políticas do pária também se vinculam, de alguma forma, à temática da religião. Nesse aspecto, os enunciados que se seguem estão profundamente atrelados à discussão iniciada em “Todos iguais... Todos?” - Eleni Varikas e as “antinomias do universalismo”. Por um lado, não custa lembrar o sentido dessa discussão: aqui, a palavra pária está sendo tomada como metáfora política. Por outro, a leitura e a compressão daquela breve exposição são dadas como pressupostas neste texto. 
Como uma ordem hierárquica se mantém viva? No plano da ideologia, é possível que a conceptualização hegeliana do mundo tenha projetado em nossas próprias circunstâncias históricas o “princípio protestante” e seu “Estado racional”, conferindo à ordem estabelecida um caráter permanente no contexto de uma progressão dialética do Espírito do Mundo (cf. István MÉSZÁROS, 2011). Aqui, a partir de uma concepção hegeliana, ressalta-se o movimento de constituição da sociedade civil e do Estado moderno.
Dialogando criticamente com essa tradição, a noção marxiana de sociedade, engajada na busca dos mecanismos de alienação e legitimação da ordem existente, relacionou (corretamente ou não) as crenças religiosas (superestrutura ideológica) à infraestrutura material, constituída pelas condições sociais da produção e da troca. Assim, nos quadros teóricos estabelecidos, o fenômeno religioso foi associado, durante anos a fio, à dominação das consciências e à alienação das massas.
"Se nada somos neste mundo,
sejamos tudo."
Trecho de "A Internacional" (citado pela autora na epígrafe do capítulo 5).

Mas isso não é tudo:  Eleni VARIKAS (2014) está perfeitamente atenta ao desenvolvimento de escatologias messiânicas (religiosas ou seculares) no contexto dos grupos menos favorecidos da sociedade. O sofrimento do pária não apenas prepara a alma para a visão (os oprimidos anseiam por sua libertação no além ou num futuro a construir aqui), mas também se apresenta como um convite à resistência: afirmando-se em muitos casos como portadores de uma “missão providencial”, os párias se veem investidos com a responsabilidade ética da redenção do mundo porque foram as vítimas e, muitas vezes, as vítimas ‘mais antigas’ desse mundo” (2014, p. 144). A defesa do pária revela-se, ao final, também uma escatologia: a fé religiosa pode se transformar rapidamente numa fé política”  (e vice versa). 
Como “cada fenômeno, ou tudo que acontece, falha a seu próprio modo, implica em seu próprio cerne uma rachadura, um antagonismo, um desequilíbrio” (Slavoj ŽIŽEK, 2013), a autora também está interessada em compreender o forte componente particularista presente na reivindicação “universalista” do pária. É impossível não notar que, no contexto da “militância pária”, a experiência da luta se configura muitas vezes de maneira contraditória. Nesse aspecto, numa democracia liberal como a nossa, a militância do pária só é permitida na medida em que funciona como a forma de aparição de seu oposto:
O desejo de encontrar uma cultura ou uma posição nas relações sociais, uma experiência do sofrimento que estivesse dissociada do poder ou imunizada contra ele, a ponto de fornecer uma perspectiva “universal”, mostrou-se eminentemente problemático e cúmplice da transformação do universal em fortíssimo particularismo (Eleni VARIKAS, 2014, p. 148).

De onde a autora extraí seus exemplos? Principalmente dos feminismos contemporâneos! Evidentemente, o argumento dela nos leva novamente às formas essencialistas de pensar as relações de gênero. No caso de uma reivindicação fundamentada no caráter majoritário (e exclusivo) do grupo “mulheres”, as ambiguidades se manifestam numa decisão aprioristicamente articulada no âmbito da própria militância – contextualizando o debate: aqui, por exemplo, entre as intérpretes feministas brasileiras, a exclusão do aliado “macho”, daqueles que, de alguma forma, também se enxergam como defensores da causa das mulheres, tem se constituído tema de inevitável polêmica entre os atores sociais (ver o texto da filósofa Márcia TIBURI).
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Fonte: Wikimedia Commons

Ou, nos termos recentes do debate acerca do “protagonismo das mulheres”, o grupo oprimido pela “dominação masculina” quer se constituir em sujeito exclusivo de sua própria emancipação. (A recente questão multiculturalista sobre a apropriação cultural e a discussão acerca das políticas identitárias entrariam também aqui?) Portanto, qual é a tese central de Eleni VARIKAS? O combate à lógica hierarquizante da sociedade teria assumido, às avessas, a percepção essencialista, homogênea e heterodefinida da diferença” (Ibid., p. 143) - o “nós, mulheres” contrapõe-se aos “omis”, no caso do “feminismo de facebook”, por exemplo. A propósito, em sua instigante análise sobre o (mesmíssimo) assunto, Antônio Flávio PIERUCCI (1999) propôs, no contexto do cenário acadêmico brasileiro, uma leitura bastante semelhante àquela encontrada no livro “A Escória do Mundo”.
Esse impasse indica que, de fato, talvez existam “problemas de gênero”, no sentido de Judith BUTLER (2016). É exatamente dentro do terreno dessa reflexão que podemos perceber as clivagens existentes entre orientações particularistas e universalistas no contexto dos assim chamados “novos movimentos sociais (sobre as “diferentes definições das premissas da ordem política”, ver, principalmente, Shmuel EISENSTADT, 2001).
No plano das discussões teóricas, é claro, permanecem as perguntas: Judith Butler ou Joan Scott? E como fica a situação dos homens no feminismo? Quanto ao tema, ignorado muitas vezes (no discurso público) por aqueles a quem a causa do pária realmente pouco importa, o autor desse blog não tomará partido nesse debate, entendendo que, na história da política radical, como bem sabia Robespierre, a batalha também pode se dar em “silêncio” (leia-se: o autor se vê engajado na luta emancipadora radical, mas prefere se calar nesse momento). Permanecerá em silêncio não por não reconhecer a importância da causa do pária, mas para que, em nome dessa mesma (e única) causa, a polêmica seja evitada... P.S: Sobre o assunto, vale a pena consultar a bibliografia referenciada ao término desse texto. Trata-se de um debate que nunca se esgota...

Robson da Costa de Souza é doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Licenciado em Ciências Sociais pela UMESP – Universidade Metodista de São Paulo. É pesquisador na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).

Referências

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
EAGLETON, Terry. O Debate Sobre Deus – Razão, Fé e Revolução. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
EISENSTADT, S. N. “Modernidades múltiplas”. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 35, p. 139-163, 2001. Disponível em: <http://repositorio-iul.iscte.pt/bitstream/10071/404/1/35.06.pdf>. Acesso em: 12. jan. 2011.
MESZÁROS, István. Estrutura social e formas de consciência II. São Paulo. Boitempo, 2011.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da Diferença. São Paulo: Ed. 34, 1999.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. 20, nº 2 ,jul./dez. 1995, pp. 71-99.
SOUSA SANTOS, Boaventura. Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2013.
TIBURI, Márcia. Democracia hard: homens, feminismo e machismo ao contrário. Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/2015/06/democracia-hard-homens-feminismo-e-machismo-ao-contrario/. Acesso em: 23 Mai. 2016.
VARIKAS, Eleni. A Escória do Mundo: figuras do pária. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
____________. Os refugos do mundo: figuras do pária. Estud. av., São Paulo , v. 24, n. 69, p. 31-60, 2010 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142010000200003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 22 May 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142010000200003.
ŽIŽEK, Slavoj. A Monstruosidade de Cristo – Paradoxo ou Dialética. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2008.
___________. Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético. São Paulo: Boitempo, 2013.